O eSocial e a fantástica fábrica de hipocrisia

Desde o último dia 15/05/2019, data em que grande parte das empresas do País tentou completar a implantação do eSocial e da EFD-Reinf, com a consolidação dos recolhimentos previdenciários pelo DARF gerado pela DCTF web, que as críticas ao “novo” sistema tem se intensificado ferozmente, ao ponto de hoje, 11/06/2019, a Folha de São Paulo publicar a notícia intitulada “Governo planeja acabar com eSocial e criar novo sistema”.

Nela, o economista Carlos da Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, define o eSocial da seguinte forma:

“É um sistema socialista, de controle de mão de obra e que as empresas não aguentam mais. Uma complexidade nefasta. A ideia é a gente acabar com o eSocial e ter um novo sistema bastante simplificado”.

Tenho certeza que ninguém, em sã consciência, discordaria de que as relações de trabalho precisam ser simplificadas, que a economia precisa urgentemente retomar o crescimento, afinal, temos atualmente mais de 13 milhões de desempregados, ou, em uma perspectiva mais ampla, mais de 28 milhões de subutilizados.

Mas o que podemos definir como “socialista”, como “complexidade nefasta”? O eSocial, ou a legislação trabalhista e previdenciária brasileira? Vejamos alguns exemplos:

Nossa Lei Maior, a Constituição Federal de 1988, prevê, dentre outros, em seu artigo 7º, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

  • Indenização compensatória por despedida arbitrária;
  • Aviso prévio;
  • Décimo terceiro salário;
  • Férias acrescidas de 1/3;
  • FGTS;
  • Seguro-desemprego;
  • Repouso Semanal Remunerado;
  • Adicional noturno;
  • Adicional de horas extras;
  • Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
  • Seguro contra acidentes de trabalho;
  • Adicional de penosidade, insalubridade e periculosidade;
  • Licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
  • Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
  • Piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

Note que toda a “complexidade nefasta”, começa com nossa Lei Maior!

Mas não para por aí…

Vejamos mais alguns itens de nossa legislação que, em nossa opinião, sem entrar nos motivos que levaram o legislador a prevê-las, são verdadeiras aberrações!!

  • A contratação de Micro Empreendedores Individuais (MEI) nos serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos (que geralmente impactam as pessoas mais simples de nossa sociedade), sofre a incidência de contribuição previdenciária de 20% do valor do serviço, a cargo da empresa contratante, embora não haja retenção de INSS em nota fiscal;
  • A aquisição de produtos rurais de produtores pessoas físicas, está sujeita a retenção de contribuição previdenciária e de terceiros (SENAR), e deve ser recolhida pelo comprador;
  • No caso acima, recentemente houve uma alteração facultando o produtor a recolher a contribuição sobre sua folha de pagamento, mas, mesmo assim, o comprador deve reter e recolher a parte do SENAR;
  • Na contratação de empregados ou autônomos que trabalhem também em outras empresas, eles devem informar todos os dados da outra empresa (CNPJ, razão social, remuneração, etc), para que não sofram retenção de INSS superior ao teto;
  • Na contratação de autônomo transportador, a empresa precisa estar atenta a uma redução de 20% para apurar a base de cálculo de INSS, deve reter a contribuição para o SEST e SENAT, e considerar uma redução de 90% para apurar a base de cálculo do Imposto de renda;
  • A isenção da taxa de condomínio do Síndico sofre incidência de 20% de contribuição previdenciária, como se fosse um “Pró-labore”;
  • A legislação do SIMPLES NACIONAL está muito longe de ser SIMPLES!! Há empresas, como as de construção civil, que geram muitos empregos, que podem optar pelo regime, porém, a contribuição previdenciária sobre folha de pagamento é a mesma de qualquer empresa;
  • O Supremo Tribunal Federal entende que, se os empregados estão expostos a ruído acima dos limites de tolerância, mesmo que recebam e utilizem um Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficiente, terão direito a aposentadoria especial, e, mesmo não caracterizando trabalho insalubre, a empresa contratante deverá recolher 6% a mais para o INSS para custear este benefício futuro;
  • Para a apuração da folha de pagamento, contribuições previdenciárias, FGTS, etc, deve ser seguido o regime de competência, porém, para apuração do Imposto de Renda, vale o regime de caixa (data do pagamento), isso sem contar as exceções à regra, como o caso do 13º salário, onde o IR é retido na parcela final, mesmo ocorrendo o adiantamento em meses anteriores!

Note que citamos apenas alguns míseros exemplos…. tem muito mais!!

Porém, ficando somente neles, você pode afirmar que tem procedimentos operacionais que garantem o perfeito atendimento da legislação vigente?

Desculpe se pareço incrédulo e rude, mas, tenho certeza de que não pode!

E, se você conseguiu chegar até esta parte do texto sem enlouquecer, tenho convicção que você concorda com o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, mas com uma pequena correção…

A legislação brasileira é de uma complexidade nefasta, que simplesmente foi escancarada, não só pelo eSocial e pela EFD-Reinf, mas por todo o Sistema Público de Escrituração Digital – SPED, do qual fazem parte!

Porém, tem sido muito mais fácil culpar o computador que cruza todos os dados, do que enfrentar o problema de modernizar nossa legislação, de mudarmos nossa mentalidade de levar vantagem em tudo, de dar o bom e velho jeitinho brasileiro, dentre outras hipocrisias típicas de nós brasileiros…

Em nossa opinião declarações como as que vem sendo veiculadas a todo instante, tais como as apresentadas abaixo, embora envoltas no desejo de demonstrar sensibilidade a todos os problemas acima citados, acabam por confundir ainda mais, ao invés de ajudar!

Governo planeja acabar com eSocial e criar novo sistema

  • Em assim sendo, por que as empresas precisam continuar a prestar as informações?
  • Não seria melhor acabar com o “sofrimento” desde já?!
  • Não seria de bom tom permitir a compensação de todos os investimentos realizados para adequação ao eSocial nos últimos 5 anos, com os impostos devidos daqui para frente?

Bolsonaro anuncia redução de 90% de normas de segurança do trabalho

  • Na prática, vem ocorrendo salutares discussões na Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), composta por representantes do Governo, dos Empregadores e dos Trabalhadores, para promover as adequações e modernizações.
  • Neste caso, já não seria melhor divulgar a postergação dos eventos de SST ao eSocial para o início de 2020, quando as revisões forem concluídas, já que, neste particular, nem as grandes empresas ainda estão obrigadas?

Comitê Gestor confirma mudança no prazo de envio de eventos

Mudar o prazo de entrega do dia 7 para o dia 15, na prática representa um alívio momentâneo, pois valerá até a entrada em vigor dos recolhimentos do FGTS a partir das informações provenientes do eSocial (GRFGTS) que está previsto para ocorrer a partir de Agosto/2019.

 

O advento do eSocial apenas automatizou e racionalizou a prestação de informações exigidas pela legislação trabalhista, previdenciária e tributária que não foi alterada, e, guardadas as devidas proporções, vem promovendo uma reeducação dos profissionais tanto de RH quanto de outras áreas, bem como dos empresários em geral, que, de tão acostumados a não serem fiscalizados e/ou processados, em certa medida, nem sabem mais a diferença entre o “certo” e o “errado” nas relações de trabalho.

Sendo assim, somos completamente favoráveis a medidas de simplificação, mas que devem vir da modernização da legislação trabalhista, previdenciária e tributária.

Enquanto isso, somos favoráveis à completa implementação do eSocial e da EFD-Reinf, mas, inicialmente, sem punições, e sim, orientações por parte dos agentes fiscalizadores, que, naturalmente terão meios de separar o joio do trigo, de modo a aplicar penalidades somente para os reincidentes que demonstrarem efetivamente má-fé em suas relações de trabalho.

Por fim, tanto a adequação da legislação, quanto a regulamentação de agravantes e atenuantes no processo de fiscalização eletrônica, devem ter muito claros os prazos de início e fim, que, seguidos de maneira séria e rígida, no processo de construção coletiva que já vem sendo adotado desde o início do projeto, garantirá benefícios para todos.

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