Impactos trabalhistas no enfrentamento do COVID-19

Desde o domingo, dia 22 de março de 2020, em que o Governo Federal assinou a Medida Provisória 927/20, inúmeras dúvidas inundaram a segunda-feira dos escritórios de advocacia, empresas de contabilidade, departamento de Recursos Humanos, Departamento Pessoal, firmas de auditoria e em especial, a dos trabalhadores.

Algumas dúvidas versavam sobre questões legais, mas seguramente a maior parte dos questionamentos era no sentido de: como implantar as medidas trazidas pela MP de maneira mais segura tanto para a empresa como para os colaboradores?

Como meu sistema está ou não preparado? Como eu poderia rodar em grande escala as férias dos colaboradores sem o pagamento do terço constitucional, já que posso pagar até o dia 20/12/20? E lá adiante, o sistema de folha de pagamento conseguirá vincular o pagamento do terço às férias corretamente? E se tiver aumento de salário? Pago o terço constitucional com o salário novo ou com o salário da época da concessão das férias?

Um cliente me ligou hoje pela manhã e perguntou: será que o Protheus já está preparado para calcular as férias de acordo com a MP? Respondi: fique tranquilo… de domingo à noite até hoje, quarta-feira pela manhã … Nem Protheus, nem qualquer outro sistema. Nós dois rimos… de nervoso… rs.

Depois de dois dias de leituras, pesquisas e resposta às consultas de nossos clientes, resolvemos trazer algumas das questões debatidas.

Não temos a pretensão de dirimir todos os aspectos, impactos e desafios que as empresas e trabalhadores enfrentarão pela frente. Mas é um apoio, um suporte a quem terá que ser um instrumento da gestão de mudança sem perder de vista o atendimento ao compliance e empatia com a posição e as vidas dos colaboradores dentro e fora da Empresa.

ENTENDENDO OS IMPACTOS TRABALHISTAS NO ENFRENTAMENTO DO CORONAVIRUS – COVID19 MEDIDA PROVISÓRIA 927/2020

1) Quais são as principais medidas trabalhistas trazidas pela Medida Provisória 927/2020 no enfrentamento do coronavírus (COVID-19) ?

O artigo 3º. da MP estabelece que poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:

I – o teletrabalho;

II – a antecipação de férias individuais;

III – a concessão de férias coletivas;

IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;

V – o banco de horas;

VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

VII – o direcionamento do trabalhador para qualificação profissional (REVOGADO PELA MEDIDA PROVISÓRIA 928/20); e

VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Importante destacar o artigo 2º. da MP 927/20:

“Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição”

2) Neste sentido, existe a possibilidade de uma discussão jurídica nos tribunais sobre a tal preponderância do acordo individual sobre as leis, decretos, instruções normativas, portarias, etc.?

Em um primeiro momento, entendemos que dependerá muito da forma, do conteúdo e da essência dos acordos que serão firmados com o trabalhador, ainda que o objetivo principal seja nobre, que é o da preservação do emprego. Portanto nossa resposta é que SIM, poderá haver a chamada judicialização de alguma das medidas trazidas pela MP.

Uma forma de minimizar a exposição é obter o maior número de elementos e subsídios que auxiliem na tomada de decisão. O envolvimento do consultor trabalhista e principalmente do vosso assessor jurídico são fundamentais neste processo.

TELETRABALHO (HOME OFFICE OU TRABALHO REMOTO)

3) Como devemos gerir o regime de home office?

O assunto teletrabalho é bem amplo, mas vamos focar nas questões da MP:

O regime de trabalho presencial poderá ser alterado para o de teletrabalho independentemente de acordos individuais ou coletivos, e deverá ser será notificado ao empregado com antecedência de, no mínimo, 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico.
As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.
Os estagiários e aprendizes não ficaram de fora e também estão contemplados neste regime.
4) Podemos suspender a concessão do Vale Transporte e do Vale Refeição aos empregados que estão em home office?

O vale transporte poderá ser suprimido, tendo em vista que a finalidade do transporte (residência x trabalho x residência) não ser aplicável ao trabalhador que está no regime do teletrabalho.
O vale refeição deve ser mantido, pois o trabalhador está trabalhando e mesmo que remotamente, ele precisa se alimentar. Deverá ainda ser observado os intervalos para descanso e alimentação. Ao indagar se devemos continuar fornecendo o vale refeição, muitos empregadores demonstram ter uma ideia distorcida do próprio home office.
5) As empresas que forneciam aos empregados a alimentação na modalidade de restaurante próprio ou convênio, precisam fornecer o benefício ao trabalhador colocado no regime de teletrabalho?

Nada muda, o empregado continua tendo que se alimentar, por isso é necessário que a empresa conceda a alimentação, devendo avaliar internamente a modalidade e procedimento que será adotado.

6) E em relação a parte de Saúde e Segurança do Trabalho?

Como o momento é extremamente delicado, as empresas provavelmente não tiveram o tempo necessário para tomar todas as medidas necessárias, em especial ao mobiliário: mesa, cadeira, fones (se necessários), por exemplo.

Sabemos que existem empregados trabalhando sentados na cama, onde toda a questão ergonômica fica prejudicada. A longo prazo esta posição incorreta poderá se tornar uma doença profissional. Por isso é importante que o empregador olhe com cuidado para estes aspectos.

7) As empresas são responsáveis pelo fornecimento da infraestrutura e equipamentos necessários ao desempenho das tarefas em home office?

Sim. Inclusive deverá constar no contrato escrito como se dará o fornecimento destes equipamentos e materiais, em especial ao reembolso das despesas com a utilização da internet, por exemplo.

Para fins de benchmarking, alguns dos nossos clientes adotaram o modelo de reembolso mensal das despesas, cujo valor tem flutuado entre R$ 50,00 a R$70,00.

8) O reembolso de despesas deverá constar em folha de pagamento?

Sim, conforme prevê o artigo 225 do Decreto 3.048/99, a empresa é também obrigada a:

I – preparar folha de pagamento da remuneração paga, devida ou creditada a todos os segurados a seu serviço, devendo manter, em cada estabelecimento, uma via da respectiva folha e recibos de pagamentos;

9º A folha de pagamento de que trata o inciso I do caput, elaborada mensalmente, de forma coletiva por estabelecimento da empresa, por obra de construção civil e por tomador de serviços, com a correspondente totalização, deverá:

IV – destacar as parcelas integrantes e não integrantes da remuneração e os descontos legais

Embora algumas empresas utilizem o modelo de relatório de reembolso de despesas (RD), conservadoramente nossa posição é a de que todo pagamento realizado ao colaborador deve transitar em folha de pagamento, o que não significa dizer que deverá ter todas as incidências (INSS, FGTS e IRRF). Importante as empresas se atentarem às previsões existentes no Decreto 3.048/99 e no Decreto 9.580/18.

9) Devo controlar o horário de trabalho ou adotar o cartão de ponto aos empregados colocados em regime de teletrabalho?

De acordo com a Lei 13.467/17, conhecida como lei da reforma trabalhista e que alterou a CLT em diversos pontos, os empregados em regime de teletrabalho não estão abrangidos pelo instituto do controle de jornada nem de horário. Então a resposta é não, não há a necessidade de controle de horário, embora algumas empresas estejam aplicando sim o controle, seja pela marcação via mobile ou via time sheet.

Neste momento, o maior desafio dos gestores é medir a produtividade de cada colaborador. Sabemos que nem todos têm o perfil para trabalhar em casa, mas não podemos esquecer que as crianças também estão fazendo “home office”!

Por isso é extremamente relevante que as empresas comuniquem aos seus trabalhadores como se dará o trabalho em home-office, as condutas, posturas, comunicação com clientes, pares e gestores, etc.

Sem dúvida quando tudo isso passar as empresas olharão o trabalho em home office de uma forma muito diferente. Uma nova forma de trabalho está nascendo.

FÉRIAS

As férias poderão ser concedidas por vontade do empregador, devendo o trabalhador ser comunicado com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou meio eletrônico.
Não poderão ser inferior a 5 dias.
Poderá ser antecipado períodos aquisitivos futuros, mediante acordo individual escrito.
Os colaboradores pertencentes ao grupo de risco devem ser priorizados na concessão ou antecipação das férias,
A concessão do abono pecuniário (venda de 1/3 das férias) ficará sujeita a concordância do empregador.
O empregador poderá pagar o 1/3 constitucional até a data de pagamento da gratificação natalina, também conhecido como 13º. Salário, ou seja, até 20/12/20.
O pagamento da remuneração das férias poderá ser realizado até o 5º. dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias.
Em caso de férias coletivas, não será necessário realizar a comunicação prévia ao Ministério da Economia e aos Sindicatos representativos.
Porém há a necessidade de comunicar aos empregados contemplados pelas férias coletivas com antecedência de, no mínimo, 48 horas.
Os RH´s devem se antecipar e verificar junto aos seus respectivos fornecedores de folha de pagamento as questões relacionadas ao cálculo e geração das férias nos moldes trazidos pela MP.

FERIADOS

As empresas poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico com antecedência de, no mínimo, 48 horas mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.
Os feriados também poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.
No caso dos feriados religiosos, este deverá ter concordância dos colaboradores mediante acordo individual e por escrito.
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BANCO DE HORAS

Ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder 10 horas diárias.

SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO

Suspensão da obrigatoriedade da realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceção feita aos exames demissionais.
O exame demissional poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de cento e oitenta dias.
Os demais exames (admissionais, mudança de função, retorno de afastamento e periódicos) deverão ser realizados no prazo de 60 dias após o contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Na hipótese de o médico coordenador do PCMSO considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização.
Ficam suspensos também os treinamentos previstos nas Normas Regulamentadoras (como o treinamento da CIPA por exemplo) e deverão ser realizados no prazo de 90 dias após o contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Os treinamentos poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância e caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.
Entendemos que alguns treinamentos nos parece de difícil aplicação pois como seria possível observar os conteúdos práticos de um treinamento para trabalho em altura ou espaço confinado ?

Os processos eleitorais da CIPA ficam suspensos até o encerramento do estado de calamidade pública, assim como os processos eleitorais em curso.

POSTERGAÇÃO DO DEPÓSITO DO FGTS

Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020.
O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos.
O pagamento das obrigações referentes às competências mencionadas será quitado em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.
Em caso de rescisão do contrato de trabalho, as Empresas deverão depositar os valores correspondentes ao empregado desligado e a eventual multa de 40% do FGTS, sem incidência da multa e dos encargos devidos.
Os prazos dos certificados de regularidade emitidos anteriormente à data de entrada em vigor desta Medida Provisória serão prorrogados por noventa dias.

OUTRAS DISPOSIÇÕES

Fica permitido aos estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis horas de descanso:
prorrogar a jornada de trabalho;
adotar escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado.
As horas suplementares computadas em decorrência da adoção das medidas previstas acima poderão ser compensadas, no prazo de dezoito meses.
Os casos de contaminação pelo coronavírus (COVID-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
Os acordos e as convenções coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da MP, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo.
Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades:
I – falta de registro de empregado, a partir de denúncias;

II – situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;

III – ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e

IV – trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.